Do Morro a Favela. Um Olhar e uma Versão para Falar das Imagens do Fotógrafo Mauricio Hora (Projeto Favelarte)

A Cidade do Rio de Janeiro nasceu entre morros, se constituiu sobre morros, e iria se expandir sob morros, sobre alagados, rios e desmatando florestas virgens...
O morro, como o mar, é referência da essência dessa cidade no seu aspecto geográfico indiscutível. Pelos morros que núcleos demográficos pioneiros se instalaram e expandiram-se, nesse espaço que seria a cidade um dia, ao período Colonial e depois no Império próximo a chegada da República e de sua leitura de um capitalismo/aristocrático e excludente.
Cara de Cão, Pão de Açúcar, Corcovado, Castelo, São Bento, Conceição, Santo Antonio, Livramento, Estácio, Santa Tereza, etc... A cidade - que vivemos - se acostumou em ver a vida de cima, do alto, do salto (do sapato dela – como diz uma canção do Gil) por um olhar impregnado de luz e maresia...
O morro é marco intransferível do nascimento da Cidade do Rio de Janeiro. Sua excelência e matriz. O morro aprofundou vínculos nessa cidade colonial em projeção urbana incipiente no transitar dos negros, de índios, de caboclos formados pelas misturas cada vez mais fora de controle, que lhes inchavam as movimentações, desconstruindo e interagindo com os marcos dos colonizadores dominantes.
A cidade que se movimentou e se fez crescer pelo alto, eis que viu se constituir sua mais traduzível realidade e vocação da beleza e do caos, as portas de sua iniciação de vocação capitalista aos fins do século XIX: A FAVELA! Essa que hoje pode ser termo denominativo a muitas, um dia foi denotativo de um único e especifico espaço que aprendemos a chamar por providencia... Morro da Providencia!... Providencia, identidade com morros de nome santo ou de conteúdo santo decorrente de nossa cultura Católica Cristã Colonial. A primeira Favela.
O Morro da Providencia, popular “Provi”, entre os mais jovens, pelo mais antigos é o Morro da Favela, local de histórias marcantes de construções e revoluções do Brasil, da cidade capital do Brasil. Seus moradores, desde os tempos idos, foram testemunhas, quando não talvez personagens importantes, de tantas histórias ocorridas dentro de suas fronteiras e seu entorno portuário. Talvez algumas famílias, privadamente, ainda tragam na oralidade e imagens muitas dessas possíveis histórias de interações.
Nessa comunidade foi que nasceu e se criou o fotógrafo Mauricio Hora (coordenador do Favelarte), convidado pelo também fotógrafo, o jovem francês JR, para a exposição no espaço Casa França Brasil no primeiro semestre de 2009, no ano da França aqui no Brasil.
Mauricio é uma personagem da favela que na sua vivência de observador e morador se nutriu e ainda se nutre das histórias dessa comunidade que se constituiu combinada à violência e exclusão, que na sua visão são intrínsecas ao ser favelado pela ótica preconceituosa e elitizada desde de sua formação ou aceitação de núcleo de moradia pelo Estado Brasileiro a partir de 1897 quando em suas terras soldados e alguns ligados aos soldados que serviram na campanha de Canudos cobravam do Estado soldo devido aos praças.
Exclusão e violência motivam sentimentos de indignação ao fotógrafo Mauricio, ele mesmo filho de um morador que vivenciou a experiência do tráfico no final dos anos 60 e inicio dos anos 70 do século XX, sabe e entende o fervor da violência policial junto aos moradores. Para ele retratar a favela, no que ela tem de beleza e caos, é compromisso consigo e com as pessoas íntegras que integram a comunidade, e por vezes são vitimas e reféns de situações que não são responsáveis.
O caos que hoje paira pela favela é totalmente associado à delinqüência do tráfico e o perfil de combate de guerra que o Estado constituiu contra as organizações criminosas ligadas a ele; mas também o caos é fruto da demagogia eleitoral de promessas que não são cumpridas ou são maquiadas para mídia eleitoral.
Filho ilustre desse modelo de habitação popular construído e evoluído pelos mais pobres em sua inventividade de sobrevivência, uma marca indelével de sua natureza do “tirar leite de pedra”, de “vaso ruim não quebra”, frases de efeito que revelam a perseverança do favelado em resistir, Mauricio e seus parceiros do Favelarte, hoje na Casa Amarela, no alto do Morro da Providencia, tentam coibir nesse projeto um tanto das mazelas que registra. A idéia é produzir ações no espaço e dar força a projetos que orientam uma nova performance de pensar nossas comunidades em parcerias e interações construtivas entre os grupos e segmentos idôneos o universo de uma nova favela.
O fotógrafo Mauricio Hora, por toda vida olhou a cidade pela ótica do alto do Morro da Favela. A cidade portuária lhe fora sempre uma sedução, os trabalhadores na lida do porto, nas paredes; a chegada e saída de cargueiros; marcos portuários de perto foram fotografados pelo fotógrafo; a urbanidade caótica da Central do Brasil, os velhos sobrados portuários da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Morro da Conceição; a casa onde nasceu Machado de Assis, que ele não entende até hoje está lá abandonada na Ladeira do Livramento, um dos acessos à favela da Providência, sendo que esse nosso maior escritor, segundo biógrafos, tem outros equipamentos e lugares por onde andou festejados e até tombados, e onde nasceu não!?
Não faltou ao fotógrafo Mauricio Hora o registro de situações limites na comunidade: falta de água e confusão na distribuição da mesma entre moradores; atentados contra a ordem pública (fechamento de ruas e queima de ônibus) motivada por operações violentas na comunidade. Mas a de maior impacto foi à morte dos chamados “Inocentes da Providência em 2008”, por uma atitude arbitraria e insana de um grupo de soldados do Exército Brasileiro, que tanto quanto responsáveis pela morte dos jovens, também tão jovens quanto eles, mancharam suas vidas e a farda nacional que serviam.
Pois bem, o Morro da Favela (Providência); o morro espaço geográfico de referência onde a Cidade do Rio de Janeiro oficialmente surgiu e inicialmente se desenvolveu nos tempos do Brasil Colônia; o morro, da comunidade de mulheres fortes e resistentes (que o amigo JR retratou na Casa França-Brasil) quando pela violência lhes faltam os homens; o Morro da Favela que a cidade e a sociedade capitalista nas suas contradições econômicas e sociais produziu e excluiu; todos os morros e todas as favelas estão aqui pela lente do fotografo Mauricio Hora e seus parceiros, agora no Projeto Favelarte, aqui em nossa Casa Amarela, no Largo da Igreja, no espaço mais alto de nossa comunidade, de braços abertos e coração para receber comunidade, amigos e colaboradores.

(texto Luiz Torres)

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